sábado, 28 de novembro de 2015

Escreva, Lola. Escreva.

Eu preciso organizar esses dons que carrego comigo. Principalmente o da escrita. Sempre que volto pra cá refaço esse lembrete mental. Tudo é menos surrealista visto daqui e se eu puder transformar qualquer manifestação de Lô em algo, o farei. Eu sou assim. Porque não é preciso ter vergonha de descarregar na tela em branco o que o coração manda. E eu sempre o escutei demais. Meu corpo pede. O copo tá vazio. Não posso jogar isso fora. Então caio no estilo nado livre.

Eu desisti de tentar saber se as outras pessoas enxergam o azul da forma como o vejo. Abracei a calmaria e aprendi uma dúzia de palavrões novos. Ânimo inocente. Te escrevo hoje da casa mais iluminada de toda a Zona Norte por conta de uma claraboia improvisada pelo meu avô em algum lugar dos anos noventa. Noventa e nove. Apesar de ser noite. A rede balança, mas não muito. Eu fico enjoada. Tu sabe.

Empurrei o mundo pra trás. Tudo podia esperar. Os meus olhos estavam desertos e eu já não conseguia profanar mais nada. Lembro da sensação de ter o peito liso como o cimento quando esfria. Tudo ficou turvo. Paraquedas. Mulher ao mar. Jogaram tantas vezes a boia. Tantas. Naufraguei. Mergulhei no oceano, criei fôlego. Os pulmões abriram como se fosse o fim de uma cirurgia de risco. Pi, pi, pi. Não respiro mais com a ajuda de aparelhos. Já posso receber visitas. Mas o doutor diz que é preciso observação. Cautela. Tudo vai ficar bem. Não se assuste com os curativos. No fim, só resta cicatriz.

Eu penso nas estrelas que decoram as noites da tua cidade ou nas tuas fotos de criança. Preciso concordar com o vento. Respiro apitando. Eu gosto das minhas palavras sobre ti, sobre a vida, sobre as minhas amigas, família, o meu chefe e aquele restaurante com uma sobremesa de nome bizarro. Os meus planos. Eu tenho dois dicionários inteiros lotados delas. Acho que isso é viver. 


A vida é bem além desse jeito adulto de tomar café ou de pentear o cabelo. É o asfalto molhado através da noite abafada. O corpo sem preocupações e a Sé lotada em algum dia tipo terça-feira enquanto canto alguma música que sai dos meus fones pensando em como conquistar o mundo. A lista de jobs ou até mesmo o sorriso da moça simpática ali do térreo que sempre pergunta se eu esqueci o crachá e insiste em me chamar de Ohaine. É repousar a cabeça no banco do ônibus sob a noite abafada. Passar do ponto e rir disso depois. A Voluntários da Pátria tá sempre lotada. Tem troco pra dez? Eu tô dentro do táxi indo pro teu apartamento. Vamo tomar uma gelada ali na casa da Nelly?

E deve existir. Os nossos sussurros em alguma noite num dialeto meridional. Talvez na intenção do vento que acompanha teu pai surfando ou no ventilador da sala onde tua mãe serve o jantar. E sobre essa confusão que tu tem no peito: que clareie e seja transparente como uma dúzia de copos americanos, que venha breve e dure menos que uma volta na praça ou uma noite sem dormir. Porque eu sempre falo demais. E tô aprendendo a fazer isso do jeito certo. Calma. Nós já sofremos demais por coisas que não existem mais. Coisas bobas como rabiscar as mãos, e dispensáveis como uma tarde vendo tevê. Eu quero o hoje. Quero que isso seja tão simples quanto uma caminhada na praia. Nós dois esticados na cama rindo depois de uma noite de Verão intensa, admirando tudo o que nós ainda vamos conquistar. Simples como uma volta naquele barco viking em Santa Monica.

Cada detalhe conta. E talvez seja perigoso como o teu sorriso ou o balanço suave dos meus ombros ao dançar uma canção da qual gosto muito. Em tudo isso, deve existir um motivo, argumento, razão, teoria, palpite, leitura, ou previsão que me explique algo que não precisamos saber. Porque a simplicidade é a nova convidada do meu show. E de antes, só ficam as cócegas desajeitadas na palma da tua mão. 

Não tenho que entender a vontade de ouvir plenamente os outros, de te de contar mais uma história e estalar as costas, os dedos, corpo enquanto debatemos sobre o céu. Nem de questionar tanto a felicidade. Ela só existe. E deve ser sentida. Eu posso ser feliz por completo sem precisar contestar tudo. A vida, no fim das contas, é descer de bicicleta por alguma rua cheia de conhecidos. Só chegando em casa e tomando aquele banho pós-passeio pra saber.

E amanhã já é domingo. Cuidado com o domingo. Domingo é parceiro da preguiça, e por definição, aos domingos, todo cuidado é pouco, todo movimento deve ser cauteloso ao levantar depois de meio-dia. Esse dia da semana é proveniente de um acumulo de trabalho, de tesão, de muito cansaço. Eu sei que tu fica nervoso só de pensar na nossa dupla de seres cometendo os mesmo erros da outra vez. Mas quando o Sol se arrasta às seis da tarde, se o horário é de verão, vem de manso caminhar meu rosto, eu me rendo. E eu me escondo atrás da pilastra de algum shopping num 30 de Novembro que não é mais o de 2011. Faço charme e checo a programação. Não entendo quase nada de cinema americano, mas sempre aplaudo no fim da sessão. Decido então abrir um sorriso, mais tarde uma cerveja, novos amigos, olhava pros lados, mas nunca pra parar de pensar em você.

Nesses novos planos nossos, abro as asas sem medo. E parece que mudaram minha história de lugar também, mas o engraçado é que eu nunca senti tanta confiança de que as coisas vão funcionar. Eu falei merda ontem, me desculpa. 


"Eu te desculpo"

Troquei a bateria do relógio. Isso atrasa a vida. Tem sempre uma sessão bacanuda de filmes ali no cinema da Augusta. Por isso eu volto amanhã, você vem?



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