sábado, 28 de maio de 2011

Víbora



Aquela foi a última vez em que ouviu falar dela. Na mesa do bar da esquina, comentaram que o novo namorado tem um topete igualzinho ao do Neal Caffrey e que quando eles se beijam demais o rosto dela fica vermelho por causa da barba. Comentaram que ela ainda ouve Chucky Berry.
O lance não foi bem ela. Que se dane. Porra, Neal Cafrey. Justo o topete dele.

Foda. Ele já está em outra, não vai mais ouvir falar dela, não vai mais ouvir a voz irritante, o som abafado daquela risada no meio da noite, nada. Ele não quer mais ouvir falar dessa aí, da mentira ambulante com cabelos castanhos ondulados. Outubro, outubro. Setembro. Não, nenhuma lembrança desses meses.

Ele esqueceu fácil. Talvez porque mentiu demais, para os dois. Impulsivo e mentiroso. Mas a culpa não foi exatamente dele. Como podemos colocar a culpa em um garoto que aspira querer ter um topete igualzinho ao do Neal Cafrey e sonha namorar uma daquelas garotas perfeitas que acordam de manhã sem mau hálito? Que chame de víbora, do que for.

Pena, pena. Não, ele não é digno de pena, meus caros. Vai ver seja toda essa coisa de tudo que nunca foi coisa nenhuma e ainda assim era muita coisa. Não pra ele, só pra ela. Coitada. Ele nunca vai sentir o cheiro de quadrinhos velhos, nunca mais vai ver aquela camiseta cinza.

Agora as suas cervejas fazem companhia, ele só tem elas. Bebe e fuma como um maluco e algumas vezes, toma uns porres e acorda só na segunda.
Daí que ela esqueceu a porra daquele broche, como se não fosse o bastante, a filha da puta ainda esquece o broche. Outro vestígio material.

Ele nunca mais vai ouvir falar de mim.


E quero o meu broche do Chucky Berry de volta, só pra constar.


E não, eu não estou insinuando que ele sente minha falta.
Longe disso. O avesso disso.



domingo, 8 de maio de 2011

Nostalgia à bolonhesa

Lasanha congelada Sadia tem sabor de infânciaE isso já gerou discussões em rodinhas, filas de cinema, cabeleireiro, por simplesmente colocarem aquelas dentaduras Fini e os bolinhos de baunilha da Panco no topo das nostalgias. Sem querer contestar, cada um com o seu pedacinho de lembrança.

Lembro bem de quando ia passar uns dias na casa da minha tia. Tia daquele tipo que não curte cozinhar pra mais de uma pessoa e que ferra com todo o cronograma de refeições impostos pela sua mãe.

Na época, ela trabalhava como professora de educação artística e vivia ocupada com um monte de rabiscos e trabalhos bimestrais de outras crianças e em tentar tirar as manchas de tinta plástica dos aventais dela.
Eu nunca vou esquecer da cara que ela fazia quando eu perguntava o que tinha pro almoço.

- Tem lasanha no congelador.

E eu fui pegando gosto por esses almoços singulares, que quase sempre seguiam com narrativas detalhadas sobre o tropicalismo, cubismo e Law&Order.

Tudo bem, eu meio que me tornei uma criança movida por lasanha.
Pirada mesmo. Bitolada. E tá, lasanha nem é um prato tão trabalhoso assim. Mas acho que essa era a graça.

Ah, o poder daquela caixinha com o logo da Sadia. Do microondas apitando e gritando que a felicidade estava pronta, me esperando. O paraíso pronto em menos de vinte minutos.

Passar na sessão dos congelados em toda ida ao mercado se tornou obrigatório. Eu conseguia deixar a minha mãe puta quando a família ia almoçar fora.

Meus primos, no geral, pediam sempre batata frita pros garçons. E eu, lasanha congelada.

Minha família me apelidou de Losanha, e não foi à toa. Mas legal. Muita coisa fez parte da minha infância: paçoca, aqueles pirulitos maneiros que vinham num saquinho com açúcar, dentre muito mais. Só que não dá. Lasanha congelada chuta bundas.

Não dá pra brincar com isso. Falando sério. E eu acho que sempre vai existir um lugarzinho especial pra lasanhas prontas no meu congelador. Independente do sabor, validade – vide festa do Babbu 
, ou procedência.